segunda-feira, 11 de maio de 2015

meu corpo é dança

voemos!


"Vivemos entremeados de recomeços. Mudamos de casa, de emprego, de cidade. Tem quem muda os amigos, o amor, os conceitos. Fazemos novas escolhas para juntar os pedaços, ou ajustar os ponteiros. Para respirar o ar menos poluído da hora do ‘rush’, e, também, mais leve de rancores. Há aqueles que mudam por necessidade, e, outros, por simples vontade.
Muitas vezes, mudamos do jeito que dá, e encaramos a nova morada ainda vazia. Faltam sofá, mesa e louça limpa. Faltam também certezas, mas levamos a coragem que carregamos no peito. Porque partimos em busca da felicidade.
No início, nos perdemos um pouco. É normal. Nem sempre a nova estrada é bem iluminada. Mas, mesmo ser saber direito como é o chão em que pisamos, sem pensar demais naquilo que nos impulsiona, seguimos em frente. É como retirar um pincel mágico de dentro do bolso e desenhar a luz que nos deslumbra pela vida.
Certa hora, um som de dar arrepios nos fez pensar em voltar atrás. É o barulho estridente da culpa, trazendo o peso carregado do medo de se arrepender. Pensamos nas pessoas que deixamos para trás, e na vida que um dia foi aquilo que sonhamos.
Lembramos que dizer adeus nos corta por dentro, e que as lágrimas nem sempre são suficientes para aliviar a dor. Tem dor que precisa doer até passar sozinha. Até compreendermos que para sermos felizes, infelizmente, algumas vezes decepcionamos alguém. E o contrário também ocorre, tem gente que nos magoa mesmo sem querer. Então, encontramos dentro de nós uma força invencível, e, com nossa gaita invisível, sopramos para longe a melancolia.
Damos risadas nas conversas à toa, ouvimos o barulho dos talheres novos ou velhos, mas diferentes. Sentimos o tique-taque mais calmo, mas atento. O mensageiro do vento nos traz boas novas: não há pressa para ser feliz, só não podemos perder nosso tempo.
Se percebermos que esse projeto não há como ser realizado, faremos novas escolhas. Se alguém que desejamos nos ignora, conheceremos novas pessoas. Nosso lema será não desitir de nós mesmos. Quem desiste, não aprende a sacodir o pó da canseira.
Conscientes de que, na vida, temos poucas certezas, aproveitamos a beleza da descoberta. Desembrulhamos nossas dúvidas e as deixamos livres para voar. Mesmo que a previsão do tempo seja imprevisível, se fará chuva ou sol, não importa. O que interessa é onde estamos, aqui e agora.
Só se acha quem se perde, e não adianta pegar atalhos. A felicidade é uma colcha de retalhos. Passado e futuro. Amor e dor. Alegria e tristeza. Todos se entrelaçam para dar forma e sentido às nossas pegadas. Caminhamos para onde quisermos, e levamos conosco a alma aquecida por essa colcha, dia após dia.
Olhamos para trás para seguirmos em frente. Saudade e esperança caminham juntas. É que já revolvemos nossos vulcões, encontramos algumas raposas e nos despedimos de nossas flores. Agora pegaremos carona com a nova migração de pássaros…
Voemos!"
"Amar é aceitar a partida do outro, quando ele não quer mais ficar. É entender que tudo está interligado. E que não agir, também é ação. Que a permanência não existe. Aceitar o efêmero, os ciclos, as mortes. É olhar pra trás e remover a culpa. Entender as relações como experiências únicas e transformadoras. Que tudo é soma, e não subtração. A dor física que, nesse momento, encharca o peito, deveria ser gratidão por algo que foi vivido. Aceitar a escolha do outro é também abnegar do seu ego. É ver o amor de forma universal, maior que apenas o seu desejo de posse. É entender que o outro não te pertence. É aceitar a liberdade, o voo. É querer a felicidade do outro. Não controlamos nada, nem ninguém. Importante olhar os processos, lembrar que a vida é movimento e que o amor é liberdade."

patrícia del rey 

domingo, 3 de maio de 2015

Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver.
Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço.
Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço.
Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em
mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só.
Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando
migalhas, confundindo estar cercada por pessoas, com ter amigos.
Sem ela me manterei aturdida, ocupada, agendada só para driblar o
tempo e não ter que me fazer companhia.
Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias
tolas só para não ter que me recolher e
ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo.
Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei
vazia em leitos áridos.
Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me
desconhecerei, me perderei.
Solidão é o lugar onde encontro a mim mesma, de onde observo um jardim
secreto e por onde acesso o templo em mim.
Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui
dentro.
Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é
coisa do sábio que podemos ser.
Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão
pode ser oásis e não deserto.
Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser
resgate e não desacerto.
Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa
espertalhões,
turbinados, bossais, a solidão pode ser proteção e não contágio.
Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a solidão pode ser
liberdade e não fracasso.
Solidão é exercício, visitação.
É pausa, contemplação, observação.
É inspiração, conhecimento.
É pouso e também vôo.
É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da
memória, dos sonhos;
quando a gente se retira da multidão e se faz companhia.
Preciso estar em mim para estar com outros.
Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado.
Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos.
Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma
comunidade.
Somos sociáveis, gregários.
Queremos amigos, amores.
Queremos laços, trocas, contato.
Queremos encontros, comunhão, companhia.
Queremos abraços, toques, afeto.
Mas, ainda assim, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se
gostar e ser feliz.
O desafio é poder recolher-se para sair expandido.
É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho
e esquecer o medo da própria sombra.
Ouse a solidão e fique em ótima companhia.
~ Hilda Lucas