1- Abri a janela e não havia horizonte algum na paisagem. Forcei o olhar e, no mais profundo de mim, vi espelhos quebrados... É o que sou: espelho quebrados...
Os cacos refletem a linha da minha paisagem... despedaçada! Fecho as janelas para sonhar que ainda haja um horizonte distante a se alcançar. Eu quero o mar onde eu possa me perder em mim, onde eu possa ser aquilo que não fui, quero poder abrir os olhos e inserir na minha paisagem um sonho bom.
Será como uma grande onda, invadirá meu peito, encharcando as memórias, derrubando as paredes, lavando as vidraças, afogando as inspirações não expiradas.
Quero a urgência de um rio, aquele que não pergunta se pode passar, que não olha para trás e carrega todo o peso da margem em sua correnteza: móveis velhos, roupas puídas, insetos mortos, escombros da casa que mando agora pelos ares.
2- No meu ser habita um animal feroz que não tem forma, é feito de silêncios. Seu rugido é tão implacável, tão absurdo, tão afiado que, ao sair de sua garganta, fazendo vibrar as grades da minha pele, cala todos os sons do mundo... até que não haja mais porque dizer. me recolho em silêncios múltiplos, em amarras e remorsos múltiplos.
Fujo pra não causar comoção, fujo da batucada dos meus silêncios.
No meu ser habita um animal ferido de tanto se debater na jaula que lhe construí: feriu um olho, quebrou as presas, perdeu as garras e a vontade de rugir.
Ficou solitário...
A perda da vontade é irmã da morte...
Somente se prestar muita atenção é possível ouvi-lo deitado no tapete atrás da porta da minha boca gemendo baixinho... Num arrepio sutil, ele suspira baixinho... É um breve grito, um último suspiro.
No meu ser não habita mais animal algum, apenas fantasmas de uma sede antigamente mortal, de uma fome antigamente normal, de uma esperança que nunca foi do animal, mas do menino.
Eu e Dagô Cardô.
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