segunda-feira, 11 de abril de 2011

A BARBÁRIE E A METÁFORA

por Diego Rodrigues

Doze crianças foram brutalmente assassinadas. O país inteiro se comove. Há, nessas horas, uma rara união do povo, um consenso, ainda que muito efêmero. Solidarizamo-nos com a dor daqueles que perderam os filhos e concordamos na condenação ao ato de barbárie. Mas, infelizmente, esse lapso de solidariedade é estéril, não se propaga em ações de efeito duradouro, não produz mudanças concretas nas condições que tornaram possível a tragédia. Essa comoção nasce de uma pulsão, de um afeto, de uma paixão. Somos arrebatados pela vontade de acabar com esse mal pela raiz. Aí é que a miopia desse sentimento, absolutamente legítimo, nos impede de prosseguirmos com o lento, mas sustentável, processo de transformação da sociedade por meio do saber. O ódio, a vingança, a raiva, a tristeza são inerentes à condição humana, mas são pouco propícios à produção de uma sociedade menos violenta. O homo sapiens sapiens inventou a palavra e o símbolo e isso não é pouca coisa, isso não pode ser esquecido. No símbolo reside a alternativa à violência explícita: a metáfora. Faço psicologia porque acredito que ela propõe espaços e reflexões propícios a metaforizar nossas angústias. Porque ela permite que pensemos uma maneira de superar a barbárie. As reflexões sobre a natureza humana, sobre a organização do psiquismo, sobre o comportamento e suas motivações são justamente os alicerces para essa alternativa. Falar sobre a subjetividade só tem relevância porque é uma categoria que se presta a problematizar episódios concretos ampliando nossa capacidade de pensar sobre eles e, portanto, ampliando nossa capacidade de propor soluções para eles. Justamente, são esses episódios de grande repercussão os que despertam o que nossa sociedade tem de mais intolerante, preconceituoso e violento na concepção do ser humano, por isso, são eles que exigem um posicionamento claro. A gente não pode simplesmente tirar o corpo fora. Ou então, me pergunto, pra que serve o conhecimento psicológico? Pra chancelar o preconceito? Pra reafirmar as visões reducionistas do senso comum? Acredito que a psicologia tem a obrigação ética de pensar justamente sobre esses fenômenos. Temos a responsabilidade social, tanto de oferecer um espaço terapêutico de acolhimento aos familiares e amigos das crianças para que possam falar a partir de seus sofrimentos, quanto de investigar a tragédia em toda sua complexidade. Tentar compreender esse rapaz não é uma maneira de redimi-lo, contextualizar suas ações não é uma maneira de justificá-lo. Muito pelo contrário. Enquanto, movidos pelas paixões, gritam por sangue, classificam-no de monstro, de desumano, nós devemos tentar entender como funciona essa sociedade que produz esse tipo de tragédia, produz seres humanos capazes de atos como esses. Sim, seres humanos, no plural, na diversidade de possibilidades, das mais generosas às mais vis. Quando digo que a sociedade produz não quero dizer que a sociedade é culpada pelos atos praticados em seu seio, mas tampouco pode ser excluída da compreensão do que nela se manifesta. Porque agora é a hora de lembrar as nossas reflexões, as nossas discussões e marcar uma posição clara: o ato da violência é condenável, mas é humano, é social, por isso merece que pensemos muito sobre ele, tentemos entender sua genealogia. Ou achamos realmente que há outro caminho para a superação da barbárie que não passe pelo saber, pela reflexão? Infelizmente, é um percurso árduo e lento, mas não vejo outro capaz de melhorar nossas práticas, de diminuir o sofrimento, de produzir meios alternativos à violência para expressar o amplo espectro de pulsões que constituem o ser humano.

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