quarta-feira, 15 de outubro de 2014

o vento que sopra entre nossos fios


Brasília é muito ampla. O que mais se escuta por aqui são os carros e os pássaros. Às vezes não se escuta nada, mas eu não aguento e tenho que tapar os ouvidos bem forte com os dedos. É um exagero, eu sei. Mas quando se fala de um espaço imenso, onde estão as pessoas?
Meus olhos ficam a procura de pessoas coloridas: uma pessoa azul poderia facilmente se confundir com esse céu enquanto voasse, uma amarela poderia muito bem estar empoleirada nos galhos de um ipê, e com certeza eu não conseguiria distinguir uma pessoa vermelha tirando um cochilo sobre a terra sangrenta do cerrado. Mas tem o vasto concreto, onde ninguém pode se esconder.... De certo as pessoas estão em suas vidas.
Existe tanta sutileza no óbvio...
Num amplo espaço de vazio, as árvores rompem o território de Brasília - existem árvores, pássaros, carros e eu.
Entre eu e a seca de setembro, avisto ao longe uma pessoa caminhando. Uma pessoa e o espaço. Uma pessoa grão no espaço, ou do espaço.
Não é preciso definir um grão de existência no infinito do existir. Apenas se é e isso já é tudo. Me perdi e começo a sentir a cidade falando pelo corpo.
De surpresa, o acaso desembrulha um leão caminhando na savana de setembro. Um amigo leonino passa por trás de mim. Só percebi que era um amigo, porque olhei movida pela curiosidade de saber quem habitava aquele espaço tão amplo. Uma dimensão subjetiva da manhã, um sol rasgando o meu silêncio. Meu minuto de silêncio interrompido.
Ele, esguio e magro, passava pelo caminho dos desejos com sua juba invisível e seguiu em frente. Nada disse e passou. Passante. Talvez ele não quisesse interromper o meu espaço amplo. Naquele momento eu habitava um amplo espaço, eu era um grão de existência debaixo da sombra de uma árvore do cerrado no mês da seca. Ele era o passante a romper o vazio de Brasília.
Brasília é espaçosa. Em todo canto as aranhas constroem condomínios de luxo. E o vento que sopra entre seus fios, corre por Brasília com oito pernas de saudade em direção ao mar. Aos mares. A mim. Ás vezes, eu mesma estou seca e o vento morre na praia. Então eu passo a língua nos lábios e uma onda transforma esse corpo de vento em som.
Tentei assoviar para o leão, na tentativa de um contato direto, mas não surtiu efeito direito. Não insisti e voltei para o encontro imediato com espaço. Espaço. Espaço. Tão amplo e tão tempo... é essa a imagem que percorre meu dia a dia pela cidade. Eu ando a pé para acalmar as ondas. Eu ando a pé para desbotar a minha cor de concreto, pra alimentar outros desejos, pra descobrir novos caminhos.
As pessoas existem nos espaços amplos de Brasília.
Brasília é meu castigo.

Marcia e Roberto

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