sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Carta 2

Faz séculos que venho querendo lhe escrever, mas, como sempre, não sei por que fico tão confusa, por que não respondo ás cartas e não me porto como as pessoas decentes. Em sua última carta, notei que você já não gosta de mim como antes e, apesar de a culpa ser minha, não sabe como isso me deixa triste, porque, mesmo que eu não lhe escreva nada, continuo a amá-lo como sempre. Bem, criança, deixe-me agradecer-lhe por sua carta e por ser tão gentil e me perguntar como ando com nosso afastamento nada natural. Lamento não poder dar-lhe beijos calorosos ao amanhecer... Escute, menino, não me esqueço de sua pessoa que respeito profundamente. Mal posso enfrentar essa redação desta carta para você. Prefiro não dizer nada nem lhe dar nenhum tipo de desculpa, já que você não acreditaria mesmo e nenhuma de nós duas tiraria nada disso. O fato é que não lhe escrevi, portei-me como uma perfeita vaca, uma idiota avarenta e infame, etc. etc., e todas as coisas ruins que você possa pensar de mim são muito pouco pelo que mereço. Mas, se puder esquecer tudo por um momento, poderei lhe dizer-lhe nesta carta o que não lhe disse em nenhumas das outras. Se você quiser saber alguma coisa de minha vida peculiar, aqui vai: desde que você foi embora, tenho tido problemas com a falta de dinheiro. Além de minha falta de dinheiro, que infelizmente é o centro de meu infortúnio, algumas outras coisas mais ou menos desagradáveis têm-me acontecido. Dessas não vou lhe falar, já que são insignificantes. O resto, minha vida cotidiana etc., está exatamente do jeito que você já sabe, com exceção de todas as mudanças naturais decorrentes da lamentável situação atual do mundo. Que filosófico, que compreensão profunda! Bem, amor, espero que, por causa desta carta excepcional, você me queira pelo menos um pouquinho, e depois, pouco a pouco, possa me amar tanto quanto antes. Por que eu sou a mesma pessoa, apesar de ser má e idiota com você. Sou avoada quando se trata de responder cartas. Quero muito bem a você, como antes. Também te amo muito, portanto, não seja malvado comigo e retribua meu amor, escrevendo uma poderosa cartinha para encher de alegria meu já entristecido coração, que bate por você aqui com uma força maior do que você é capaz de imaginar. Escute só: TIQUE-TOQUE, tique-toque, tique-toque, tique-toque!!! A literatura é muito limitada quando se trata de representar plenamente os ruídos internos. Portanto, não é minha culpa se ele parece um relógio quebrado. Uma porção de beijos, abraços e todo o meu coração para você, e, se sobrar alguma coisa, guarde para quando eu estiver muito ausente. Sua amorosa e apatetada, (...)

3 comentários:

  1. Muitíssimo interessante, admiro sua forma de escrever. Além de uma linguagem diferenciada, você consegue expressar completamente seus sentimentos. Meus parabéns.

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  2. Márcia!!

    Vi seu tweet e cliquei no link: espanto! Que escrita absurdamente maravilhosa!
    Não sei nem o que destacar para elogiar.. tá tudo muito bom!
    Parabéns.
    :)
    Já vou te seguir!

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