sábado, 29 de setembro de 2012

"A vida inventa!
A gente principia as coisas, no não saber por que,
e desde aí perde o poder de continuação
- porque a vida é mutirão de todos
- por todos remexida e temperada."

(Grande sertão: veredas, Guimarães Rosa)

errata: trata-se do menino "plantando bananeira" e não do "menino com diabolô", que sequer aparece na publicação. 
fazia tempo
fazia tempo
fazia muito tempo
subiu numa árvore e
roubou uma manga verde
extra verde com leite quente
pra comer em casa
com sal e pimenta do reino
que mal tem?


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Quando a gente não quer a vida rodopia o nosso não-querer, e faz um querer-aparecer.  Danada que ela é, ontem me mostrou sobre o que é voltar para placenta viva de um espaço-tempo. Bem aqui dentro eu sou e me lanço no abismo. Consegue ver a imensidão que eu posso ser? Eu sou o tempo. Eu te escrevo com o corpo todo essa caligrafia improvisada no tempo. É porque ando harmônica com o instante-já-agora-aqui. Viu? Rio. Tudo isso agora parece um instante dançando enquanto relembro o passado. Eu fico toda apaixonada. É sério, ontem foi tanto, que morri dez mil vezes por segundo. Você viu? É isso! O tempo sou eu, e também é você. Sutil. Meu tempo é lento mesmo, é assim que eu sei ser, menos burocrática. Ai, você já sabe da história, me abro toda. Eu sou um espaço aberto. Nem sempre, mas estou praticando semanalmente essa possibilidade de abertura. Bem, quem sabe daqui pra frente vire uma rotina. Rotina das boas, não é? 

às vezes eu vou pra casa cheia de vida e não consigo dormir.





quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sei o que estou fazendo aqui:estou improvisando.


[...] “Estou tão ampla. Sou coerente: meu cântico é profundo. Devagar. Mas crescendo. Está crescendo mais ainda. Se crescer muito vira lua cheia e silêncio, e fantasmagórico chão lunar. À espreita do tempo que para. O que te escrevo é sério. Vai virar duro objeto imperecível. O que vem é imprevisto. Para ser inutilmente sincera devo dizer que agora são” dez e trinta e três da noite improvisamento  (pág. 44).
[...] “Como reproduzir em palavras o gosto? O gosto é uno e as palavras são muitas. Quanto à música, depois de tocada para onde ela vai? Música só tem de concreto o instrumento. Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical. Mas ainda mais atrás há o coração batendo. Assim o mais profundo pensamento é o coração batendo” (pág. 46).

Água Viva, Clarice Lispector. 


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Essa agudeza de viver faz a gente querer dançar, não é Elena?
E hoje eu nem quis mais estar por aqui, por alguns instantes antes de abrir meus olhos... 60 insinght por segundos, eu dancei por cima do muro da vida, dancei por cima do abismo. E você estava lá com seu vestido amarelo longo quase transparente... ainda ouço o piano que tocou, que acelerou e diminuiu a tristeza que sempre fui.
Ontem conheci a sensibilidade que se dança. "Elena se dança, leve, leve, suave, encanto de ave”, um pássaro que dançou com a lua antes de mim. E eu que sempre quis ter em minhas mãos a lua pra rodopiar com ela. Dançar com ela, tocar ela, beijá-la... abraçar ela...
Lembra quando eu subia no muro e queria me jogar de lá como se fosse um pássaro? Pois é, acho que fui além de mim na tentativa de me perder de mim.
Eu fecho os olhos e agora sinto a água que sempre fui.

domingo, 23 de setembro de 2012


tudo é sorriso
distraindo o tempo
posto na janela
a menina pula
a menina é o vento
tá em movimento
o olho na estrada
a menina vaga
o pensamento corre
pela saia
a boca molha
a pele lambe.

sábado, 22 de setembro de 2012

passarinho, um carinho.


Eu sinto que algo diferente... Não é só a chuva, não é só a primavera que se descortina lá fora... Percebo uma pele mais fina que se transforma a cada encontro. Ah, os encontros. Todos os encontros, todos os afetos que tateiam o espírito. 
Eu tenho sono, mas não vou dormir sem antes dizer que a pele dela é um convite, é um encontro, é um acontecimento tecido no instante... Instante pelo instante é abraçar o espaço-tempo, é lamber o céu que habita o corpo da gente.
Meu corpo tem fome de pele. Eu descobri que ele quer tatear o instante da pele, quer varrer, escorrer, imbricar, liquefazer, deslizar, contra-pesar, ceder, fluir... meu corpo quer lamber os instante-já! Esse burburinho que comove os músculos, os sentidos, o útero, os seios. Meus seios querem encontrar outros instantes, quer sentir os batimentos... a disritmia. 
Eu tenho sono, mas quero dizer que existe uma pele. Existe uma pele, uma pele... pele... a pele dela é um convite. É um encontro. É um acontecimento. Já disse isso né? Provavelmente sim, considerando que a essa altura do sono não tenho mais tônus consciente... eu tou me perdendo e acho um bom caminho para me entender. E é bem fácil se expor, ainda bem que isso só me cumpre. Tudo bem. Eu estou deixando os meus segredos se perderem no vento...
O que está diferente é a pele! É a terra, é a água. 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


É de imaginar bobagem
Quando a gente liga na televisão
Toda dor repousa na vontade
Todo amor encontra sempre a solidão

Todos os encontros todos os poemas
Manda me avisar
Manda me avisar

Todos os embates todos os dilemas
Manda me avisar
Manda me avisar
Eu sei
Todo ser humano
Pode ser um anjo

girinos, vestígios no rio.

eu quero tatear, imbricar na pele. eu quero serestar o instante. eu quero instante-ar cada afeto. ventar, ventar, ventar. transbordar amor, abraços. eu quero a leveza de um rio. a sutileza de uma barriga d'água.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Quando eu era criança eu pensava muito na morte, principalmente, na morte da minha mãe. Tenho alguns fleches dessa memória, eu no banho escovando os dentes, a água caindo na pia e do nada eu pensava: “quero que minha mãe morra”!

Na época eu achava que era coisa do demônio... me sentia tão mal por desejar algo tão fora do normal. Eu queria morrer por pensar assim... com o tempo fui amenizando a culpabilidade de tal sensação, pois mesmo rejeitando com todas as minhas forças o pensamento de morte, ela aparecia silenciosamente, subitamente por mais que eu lutasse contra.  E quanto mais eu a rejeitava, ela aparecia não importava a onde. No banheiro, no ônibus na volta para casa, lendo um livro, rezando... comendo, antes de dormir... eu rezava muito, pedia pra que deus tirasse aquilo de mim. Ele nunca fez isso...

Eu penso muito na morte. Muitas vezes não penso no como, não crio cenários, só penso na afirmação da morte de alguém. Tal pessoa irá morrer... e como um Deus todo poderoso eu lanço o dilúvio...
Mas com o tempo comecei a imaginar situações de morte. Um ônibus passando na ponte, ele cai. Eu tento salvar as pessoas inutilmente e morro afogada. Eu andando pela rua, um carro passa por cima de qualquer objeto, e esse objeto me atinge na cabeça.  Sangro até a morte.

De uns tempos pra cá comecei a aceitar de vez isso. Assumi com menos peso. Hoje penso que quando afirmo a morte é porque quero é afirmar a vida. Penso no contrário pra enganar a morte. Ai ela desvia seu percurso e desiste. Desiste de passar a mão em mim, desiste de passar as mãos na minha mãe quando ela tentar se matar com os seus remédios. Penso que dessa forma salvo minha mãe das suas tentativas afirmativas de morte... e afinal a gente morre um tanto de vez por dia sem saber... não tenho mais medo da morte, não tenho mais culpa. 

domingo, 16 de setembro de 2012

nessa vida eu quero transitar, mas também quero permanecer. nem que seja só por instantes. porque senão ás informações se dissolvem com o tempo e o corpo perde a experiência. eu preciso permanecer no instante, e assim quem sabe ventar. é assim que sei viver. é um permanecimento diluído  fragmentário soluto. não sei só transitar sem nada levar. nem que seja a dislexia que me assombra o esqueleto axial. tem que se estar para ir. senão não é verdadeiro, mesmo que verdadeiro seja um ponto de vista. e pontes de vista existem a cada curva de gente. e gente é mundo de gente todo dia.  
papéis, papéis, papéis... muitos deles jogando no chão. bonecas dilaceradas, encerradas, sem pernas, sem cabeças, sem um corpo por inteiro. ou já seria aquela desordem a inteireza de anne sexton? eu olhava pra aquele emaranhado de  falas rabiscadas, marcadas, cuspidas e senti uma euforia de súbito... o desconhecido me rondava como felino que é. 
quem seria anne sexton no palco? quem foi sexton? quem foi essa mulher e quem seria a outra a revivê-la nos palcos? não foi jessica cardoso que se encontrava sozinha em performance, lá e cá estavam duas mulheres completamente nuas de si. carne exposta em completo transparência de ossos, órgãos, seios, boca, músculos... pronta para chupar os pecíolo das flores. 
conheci duas mulheres no palco uma no passado, outra no passado presente instante-já  ser e estando. serestando. gozando por todos os buracos-poros do seu corpo negro e denso, voluptuoso. fragmentária, subversiva, lasciva, dionisíaca, mulher que beira, transborda... 
imagina se fossem mais que seis encontros. a transa seria outra, não é?. que venham mais transas e transbordamentos para você minha menina sexton! se é isso o que te toca! 


"Como se a água ficasse a um dedo da minha boca e todo o deserto à volta me segurasse..."

Hilda Hilst, 'Cantares de Perda e de Predileção' [1983]

sexta-feira, 14 de setembro de 2012


eu no rio flutuo
escorro por entre algas
eu no rio danço
a água me abraça.


de baixo das flores amarelas
tinha uma terra seca, vermelha
que cegou a gente numa dança torta
o cerrado me encerrou

calma, calma, calma
deixa molhar, deixar chegar
deixa cair, deixa chover
deixa nascer o percurso
deixa escorrer no chão os nossos vestígios
que nosso tempo está por vir

prepare a terra pra semear
jorre toda a água  pra brotar
que nosso tempo está por vir
segure nas minhas mãos
deixe brotar nosso vento...


Calma,
Deixa cair
Ara,
Tempo por vir
Prepara a terra
Dissolve a mágoa
Passeia sem pensar
Ouvindo a água
Calma,
Deixa cair
Ara,
Tempo por vir
Prepara a terra
Deixa molhar
Deixa abater
Deixa derramar
Pra que sofrer?
Pra chorar?
Pra semear:
Caindo do céu
Atravessa o ar
Escorre no chão
Pra brotar.
Manu Santos

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

que coisa doida que chega na gente na altura do estômago. faz a gente perder a noção de tempo. faz a gente perder o medo de ser e estar. ai a vida é danada de safada, vive passando sua mão mais que boba em mim. vive me jogando na cara uns contos tortos e sinuosos. semana passada ela chegou lá em casa dizendo pra eu desenca(r)nar. e olha que sem mais nem menos abri os bicos e segui suas ordens. ela é toda toda, vive me comendo toda. fazer o que se ela nasceu com a bunda virada pra lua. 

da menina que passou lá em casa e deixou um canto.


tudo é muito quando se é criança
ir embora é uma partida de seis meses
o choro é um rio que se transforma em mar
a voz embarga, fica pianinho
e quando se esquece tudo não passou de nada
a dor passou num segundo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

quero uma caixa de lápis de cor de infinitas cores
para desenhar a menina que dança no rio
para descortinar o sorriso novo que quer chegar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012




Trata-se do conflito entre duas necessidades: por um lado, a liberdade absoluta na abordagem, o reconhecimento do fato de que “tudo é possível”, e, por outro lado, o rigor e a disciplina que fazem com que “tudo” não seja “não importa o quê”. Como situar-se entre o “tudo é possível” e o “não importa o quê”? A disciplina, em si, pode ser quer negativa, quer positiva. Ela pode fechar todas as portas, negar a liberdade, ou ao contrário constituir o rigor indispensável para sair da lama do “não importa o quê”.
É por isto que não há receitas. Permanecer demasiado tempo na profundidade pode ser enfadonho. Permanecer demasiado tempo no superficial, torna-se banal. Devemos estar permanentemente em movimento.



BROOK, Peter. Le Diable cést lénnui, 1991, p.70. Tradução: Suzi Frankl Sperber.

COLLA, Anna Cristina . DA MINHA JANELA VEJO... relato de uma trajetória pessoas de pesquisa no Lume, 2003, p.39. 

eu nunca sei de nada, eu tô na estrada

é um caso solto. é um caso de deixar a pele livre e desimpedida, costas largas e peito aberto. um balancê que solta a partir do quadril. reverbera. transborda.  um sorriso desnudo. descompromissado. sincopado. é um pra lá e outra pra cá. dois pra lá e três-quatro-cinco-seis-sete-oito-vinte-e-três... pra cá. eu não ligo mais. agora eu sigo meu nariz. toda bamba.  

sobre aquele processo de desencanar-se
e aprender a navegar.