sexta-feira, 22 de novembro de 2013

tem sentimento que não faz sentido nenhum.
pois é justamente o caso deste aqui:

pouco sei eu amar
minha capacidade de lidar com amores não se concentra no coração
se concentra na vesícula,
órgão cuja localização e função me são completamente desconhecidas

pouco sei amar
me tropeço por inteiro
caem pedras de mim
viro destroços, ruínas, estilhaços
e não acho chão pra ensaiar passo nenhum
me vejo dormindo na angústia
de não saber onde encontrar
de não saber sequer o que encontrar
ouço o que me dizem sobre o amor
tento fazer turismo nessas ideias
tento me aventurar em pessoas
tento orquestrar o que sentir
mas meus sentidos não fazem sentido nenhum

quem me dera se pudesse me livrar dessa obrigação
- que nos foi inconscientemente incumbida -
de amar e ser amado
sinto que me tomaria de liberdade
e que respiraria suavemente
como quem não se importa em não achar
por já não ter o que procurar
por já não ter o que entender

ouço dizerem que pra amar não se deve pensar
mas sou dessas meninas que pensam demais
e se amar é não pensar, então me demito
sou incapaz
que achem outra pessoa pro cargo

queria fazer sentido, mas essas palavras não fazem sentido nenhum
mas se o que quis expor até aqui foi justamente toda a falta de sentido
acredito que consegui
porque eu amo
e por isso não entendo nada
e por isso já não penso

até penso
mas vejo saída nenhuma que me leve pra qualquer canto que não seja
o de me saber tão des-sabida de amar

amar não faz sentido
e eu odeio isso.


ana louresse

sábado, 16 de novembro de 2013

bem vindas

vida que cai em mim bem vinda seja nessa tarde que passa mansa e despreocupada comigo
morte que cai bem vinde em mim agora que sou despreocupada comigo
essa tarde dourada que traz felicidade pras pessoas normais não me mente mais 
essa tarde que esquenta minha barriga por baixo da blusa preta
e meu umbigo envolvido nesse calor se faz de morto
não sente nada só vazio.
karina buhr
vontade de pegar o amor que guardo no peito e plantá-lo no rio, vontade de amar e ser amada, só isso.  
"Acabou-se que nada se coube em nada. Esse amor pisou tão mundo em mim e a mulher mais bonita da cidade nem sequer pensa nisso. De certo, sabe apenas que houve uma pessoa pequena em quem ela, delicadamente, tropeçou e por quem ela, como fazem os mais moços, se apaixonou leve e velozmente. De certo foi apenas isso. Coisas leves são facilmente levadas, dizem. Ela seguiu se levando e eu, pisada tão mundo pelo amor dessa mulher, consegui pouco me mover. Fiquei ali, pisada, pesada, assistindo a dança dela, ouvindo o canto nela, mas escondida no meu canto e dançando apenas dentro. Que amor egoísta é esse o meu. Se diz grande mas sequer sai de mim. Eis a razão pela qual sufoco tanto, me engasgo tanto e me mexo tão pouco. Acho que se autorizasse a liberdade do que guardo comigo, eu seria a mais temida bomba da cidade. Me pergunto se haveria quem dançasse comigo, haveria de ser alguém grande demais. Talvez a mulher mais bonita da cidade seja grande demais. Talvez ela conseguisse valsa das explosões que me fugiriam. Talvez ela conseguisse, com beijos e cafunés, me manter rente ao mundo. Mas confesso que tenho medo demais pra deixar que fujam minhas explosões. Talvez guarde comigo e pra sempre meu amor tão grande. Não, isso não é medo de ser feliz. É medo de ser tão feliz que viver não me bastaria, que amar não me bastaria, que dançar não me bastaria e eu acabaria em destroços, de algum jeito, eu me acabaria em destroços, certamente. É uma imagem exagerada, mas você não tem ideia alguma da quantidade de amor que guardo por essa mulher mais bonita da cidade. Ele cabe numa guerra e, em pelos menos, três canções."


ana larousse

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"e agora se vocês perguntarem a ela, o que ela estava fazendo, de tal em tal dia, ela vai responder sem pestanejar

não julgar em alguma língua antiga significa justamente esquecer, mas em qual língua eu não me lembro.
e não julgar significa também não olhar, mas em qual tradução, e em qual língua eu também não me lembro.
e se me disserem: responda quem é aquela garota de cabelos longos e dedos finos... não é você que dizia que ela era toda oxigênio?

mas a garota morreu.
na menor montanha-russa.

e se me disserem quem é este cara que matou sua mulher a golpe de facas no jardim? então, eu nem responderei porque isto não me interessa, mas aquele de quem eu falava, morreu há 2 anos.

quando eu perguntei pra minha conhecida, onde ficava a menor roda gigante do mundo, então, eu disse que ficava em londres.
não! em cingapura."

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Para mim a dança não é um dado adquirido, acredito que quanto menos o adquirir mais próxima estarei dela, uso a dança e o trabalho performativo para perceber aquilo que necessito de perceber, vejo cada vez menos sentido num performer especializado (um bailarino ou um actor ou um cantor ou um músico) e cada vez mais sentido num performer especializadamente total, vejo a vida como um fenómeno terrivelmente rico e complicado e o trabalho como uma luta contínua contra o empobrecimento do espírito, o seu e o dos outros, luta que considero essencial neste ponto da história. Vera Mantero
"Em cada homem há dois que dançam: o esquerdo. O direito e um dançarino - o direito. O outro - o esquerdo. Dois dançarinos de ar. Dois pulmões. O pulmão direito e o esquerdo. Em cada homem há dois que dançam - o pulmão direito e o esquerdo. Os pulmões dançam e o homem recebe oxigênio. Se você pegar uma pá e bater no peito de um homem na altura dos pulmões, as danças param. Os pulmões não dançam mais. O oxigênio não chega." Ivan Viripaev (1974).