sábado, 8 de junho de 2013

"quando meu dedo inadvertidamente..."

CONTATOS. A figura se refere a todo discurso interior suscitado por um contato furtivo com o corpo (e mais precisamente a pele) do ser desejado.

Werther

1. Inadvertidamente, o dedo de Werther toda o dedo de Carlota, seus pés, sob a mesa, se encontram. Werther poderia abstrair-se do sentido desses acasos; poderia se concentrar corporalmente nessas débeis zonas de contato e gozar daquela fração de dedo ou de pé inerte de uma maneira fetichista, sem se preocupar com a resposta (como Deus - é esta sua etimologia - Fetiche não responde). Mas precisamente: Werther não é perverso, é amante: cria sentido, sempre em toda parte, de um nada, e é o sentido que o faz estremecer: ele está no braseiro do sentido. Todo contato, para o amante, coloca a questão da resposta: pede-se à pele que responda.

(Pressões de mãos - imenso repertório romanesco -, gesto tênue no interior da palma, joelho que não se afasta, braço estendido, como se nada fosse, ao longo de um encosto de canapé e sobre o qual a cabeça do outro vem pouco a pouco repousar, tal é a região paradisíaca dos signos sutis e clandestinos: como uma festa, não dos sentidos, mas do sentido.)

Proust

2. Charlus segura o queixo do narrador e deixa deslizar os dedos magnetizados até suas orelhas, "como os dedos de um cabeleireiro". Este gesto insignificante, que eu começo, é continuado por uma outra parte de mim; sem que nada, fisicamente, o interrompa, ele bifurca, passa da simples função ao sentido deslumbrante, o da demanda de amor. O sentido  (o destino) eletriza minhão mão; vou dilacerar o corpo opaco do outro, obrigá-lo (quer ele responda, quer se retire ou se abandone) a entrar no jogo do sentido: vou fazê-lo falar. No campo amoroso, não há acting-out: nenhuma pulsão, talvez mesmo nenhum prazer, apenas signos, uma atividade desesperada de palavra; instaurar, a cada ocasião furtiva, o sistema (o paradigma) da pergunta e da resposta.

trecho extraído do Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes, 2003, pág. 85-86.

Nenhum comentário:

Postar um comentário