sábado, 22 de maio de 2010

Adriana, Babás e o Radio AM

Quando eu tinha entre 4 e 7 ou 8 anos de idade eu morava em Porto Alegre, que é a cidade onde eu nasci eu ia ao colégio de manhã e de tarde eu ficava em casa com a babá porque meus pais saíam para trabalhar. E, evidente, durante esse tempo que eu estou falando, não foi uma única babá que passou lá em casa eu não posso precisar este número, mas é uma coisa em torno de 478 porque meu irmão era uma peste, ninguém aguentava. Eu não, era ótima. Mas elas não ficavam. Enfim, de todo esse bolo de babás, tem uma que eu nunca esqueci. Ela chamava Marisa. Nunca me esqueci dela porque a primeira coisa que ela fazia quando chegava lá em casa era ligar o rádio. Ela ligava o rádio ao chegar e depois só desligava na hora de ir embora. De modo que o rádio ficava ligado a tarde inteira ao fundo dos acontecimentos. E eu tenho pensando hoje em dia que para mim, seguramente, aquele rádio não estava tão no fundo. Enfim, o que eu sei é que por causa da Marisa eu entrei em contato intimo com a programação de rádio AM de Porto Alegre daquela época. Ai, um dia, meu pai chegou em casa mais cedo. Meu pai é um baterista de Jazz, Cool Jazz e Bossa Nova... Ele chegou em casa mais cedo e pegou aquela cena: me viu ouvindo rádio AM com a Marisa no quarto e fez um escândalo, brigou com a minha mãe, brigou com a Marisa foi realmente uma “comotion” e eu me lembro de, na época, ter entendido que aquilo era preconceito musical. Mas, mesmo assim, achei na época, que a reação dele tinha sido um pouco excessiva para o caso. Parecia mais que ele, o meu pai, um baterista de Cool Jazz e Bossa Nova tinha entrado em casa e pego a filha, não sei, brincando de médico com a babá, talvez, porque a discussão durou dois meses, não tinha mais fim. Nunca mais acabou... Enfim, de todo esse repertório de canções dessa época só tem uma que eu me lembro, mesmo assim, lembro mais ou menos e sei tocá-la ao violão bem mais ou menos ainda, mas creio que será possível reconhecê-la pelo menos para aqueles que têm mais de... Não importa... Rasgue as minhas cartas E não me procure mais Assim será melhor Meu bem! O retrato que eu te dei Se ainda tens Não sei! Mas se tiver Devolva-me! Deixe-me sozinho Porque assim Eu viverei em paz Quero que sejas bem feliz Junto do seu novo rapaz... Rasgue as minhas cartas E não me procure mais Assim vai ser melhor Meu bem! O retrato que eu te dei Se ainda tens Não sei! Mas se tiver Devolva me! O retrato que eu te dei Se ainda tens Não sei! Mas se tiver Devolva-me! Devolva-me! Devolva-me!... Um pouquinho mais tarde na minha vida, depois dessa historia da Marisa eu já tinha por volta de uns 13 anos de idade ainda morava em Porto Alegre, ainda ia ao colégio de manhã, mas evidentemente não ficava mais com a babá, muito antes pelo contrario, tinha umas tarefas para cumprir em casa nessa época meus pais se separaram, então a vida da gente mudou um pouco. Eu tinha umas tarefas, meu irmão também tinha sendo que as dele, ele não fazia. Eu não me lembro ele tinha que tirar o lixo e mais alguma outra coisa que ele não fazia. Eu tinha que lavar a louça depois do almoço. Ainda bem, aliás, porque uma coisa que eu gosto muito de fazer é lavar louça, embora ninguém acredite e tenho que dizer que não tenho tido muito tempo ultimamente para essa atividade. Mas é uma coisa que eu realmente gosto muito de fazer. E nessa época que eu exatamente estou contando, que eu lavava a louça do almoço, eu vi uma entrevista com Caetano Veloso na televisão uma entrevista para a Roberto D’Ávila e que ele dizia, entre outras coisas que ele gostava muitíssimo de lavar a louça. E foi, uma das raras vezes na minha que á tarde assistindo á televisão eu tive uma sensação de não estar de todo só no mundo. Enfim, eu lavava a louça do almoço enquanto minha mãe dormia para mais tarde dar aula na faculdade, de modo que eu tinha que lavar a louça baixo. E eu adquiri uma técnica incrível. Enfim, como era um momento silencioso da casa, eu levava um rádio para pia ficava lavando louça, baixo, e ouvindo uma estação de rádio de Porto Alegre que só tocava música popular brasileira. E eles tinham uma programação inacreditável. Tocavam pérolas, coisa maravilhosas que me influenciaram muito e coisa que, mais do que me influenciar, eu acho que determinaram algumas escolhas que eu vim a fazer mais tarde. Uma dessas coisa foi um poema do Ferreira Goulart que eu ouvi musicado pelo Fagner, cantado pelo Fagner, e que me chapou... foi uma coisa que eu fiquei absolutamente impressionada e me lembro de ter pensado uma coisa do tipo: “É isso que eu gostaria de fazer da minha vida, se fosse possível poesia no rádio.” E a cançam que eu ouvi era mais ou menos assim: Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém Fundo sem fundo Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão Uma parte de mim, pesa Pondera Outra parte, delira Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente Uma parte de mim é só vertigem Outra parte, linguagem Traduzir uma parte noutra parte Que é uma questão de vida ou morte Será arte? Será arte?

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